No decorrer do meu dia, me
pego a pensar que minha vida é simplesmente irresistível. Tenho tanta coisa
boa, que por vezes não me acho merecedora. Mas, como as recompensas são dadas
por algum merecimento, não questiono tanto, ou ao menos tento não questionar.
Sou alegre, irônica,
pensativa, reflexiva e muito questionadora, não me contento com respostas
vazias e triviais.
Para mim, o maior mistério
da minha vida é ela própria, com suas inúmeras nuances e desafios. Tenho em mim
um sentimento de gratidão que permeia minhas atitudes, minhas falas e meu modo
de ser feliz. Nesta minha caminhada, tenho tido percalços como qualquer um, mas
as graças se sobrepõem de forma arrasadora, ainda bem! Elas me acompanham desde o meu nascimento. Deus me deu de presentes pai e mãe maravilhosos. Hoje vou falar dele, do meu papai.
Quando lembro da minha
infância, me vejo sentada no colo de meu pai, ele a pentear meus cabelos, com
infinita ternura e jeito severo, tão marcantes em sua personalidade e que trago
em mim como herança em alguns preceitos, em algumas atitudes. Herdei muitos
traços dele em meu caráter: o gosto pela leitura, pela política, mesmo que
sempre tenhamos orientações e percepções diferentes, o desprendimento, o falar
baixo. Muitas vezes sou tão taciturna quanto ele.
Lembro também de nossas
viagens, eu, ele e Dida. Quantas eu e ela não aprontamos sem ele nem perceber?
Das aulas de tiro, das viagens de jipe, e das mordidas inocentes dadas nas
professoras do Projeto Rondon. Puro ciúme filial. Pura peraltice.
Meu pai, sempre foi e é dócil.
Amável, prestativo, atencioso e brigão. Quando digo brigão, não me refiro às
sovas ou sermões sem propósito, ele não perde tempo com isso. Falo
especificamente daquelas aulas de matemática no quintal, com palmatória e das
aulas de trânsito, em que a paciência dele era curta, ao me ver toda destrambelhada, sair de segunda, estancar,
ou parar no meio da rua.
Refiro-me aos seus
conselhos sobre autenticidade e caráter ilibados, que tento imprimir no
meu viver como tatuagem permanente. Não sei se consigo, ao menos tento.
Refiro-me à sua zanga quando não estudava, ou quando ia atrás dele, para vigiá-lo, ora pelo
ciúme de filha primogênita, ora pelos ciúmes de mamãe, que tem sangue quente nas veias, e de quem herdei o gênio forte e ciumento. Ele se
zangava não porque eu ia atrás dele, mas por eu aprontar todas as travessuras
possíveis e imagináveis. Contudo, no final, ele acabava por sorrir com
seu jeito tímido e quieto.
Meu pai é um exemplo raro
e inestimável de ser humano. Não é só porque é meu pai. É sua própria essência.
Um homem sensível, pé no chão, honesto, durão, carinhoso, chorão, quase não
sorri, a não ser das minhas piadas bobas que eu nem sei contar. É um avô
amantíssimo, um marido doce e preocupado, que sempre se redime. Um
trabalhador dedicado. Homem que sempre põe a família em primeiro lugar nas suas
prioridades.
Pai prestativo,
preocupado, bondoso, altruísta. É claro que tem defeitos. Todo mundo tem, ele é
humano, não poderia ser diferente. Entretanto, o amor que ele me concede me
faz não percebê-los, e quando os percebo ignoro-os. Não vale a pena ressaltar
negatividades, ao menos para mim.
Gratuidades desse
tipo em minha vida, devem ter algum significado muito além do meu
entendimento, e mesmo que eu pergunte tanto, talvez nunca ache respostas,
por isso, vou vivendo-as, saboreando-as e sendo feliz. De uma maneira
individual, única e extremamente benéfica ao meu corpo e à minha alma. Nem todo
mundo tem essa sorte, disso eu tenho certeza.